terça-feira, maio 24, 2005

Perdas

Estou lendo As Palavras e as Coisas, do Foucault. Talvez tentando recuperar as palavras que me foram. As coisas, essas são mais difíceis: são tantas as que perdi.

Quantas vezes perdi o ônibus, a hora ou a chance de ficar calado? Já perdi o chão, o rumo, o norte, todos os pontos cardeais.

Perdi eclipses, amigos, amores. Perdi apostas, empregos, quilos e tonus. Incontáveis vezes perdi o sono. Perdi parentes. Perde-se também parte do viço por isso.

Eu mesmo já me perdi. E já perdi a paciência, as estribeiras. Perdi a fé. E a confiança, o que é pior. E perdi sessões de cinema. E paulatinamente vou perdendo o horizonte para a miopia; e os cabelos para o ralo.

Percebo agora que perdi o fio da meada deste texto. Perco o meu tempo e gasto o seu, portanto.

E neste sábado último, perdi o celular. Recuperei-o na manhã seguinte, é verdade, mas lá se foram algumas dezenas de reais...

quinta-feira, maio 19, 2005

Cai o pano

É muito difícil permanecer lendo quando o ônibus quebra a esquerda no Iate Clube e em seguida mergulha à direita em direção à praia de Botafogo.

Baixam-se as mãos que levam o livro junto aos olhos, ergue-se a vista acompanhando o espelho d'água salpicado de naus e depara-se com as rochas que formam de maneira única e perfeita o Pão de Açúcar.

Pois esta manhã foi assim, com os olhos começando por varrer as pedras portuguesas, areia e mar. Mas eis que forte neblina corre cortina e cobre este símbolo que, de tão majestoso, mesmo em ausência, transforma itinerário cotidiano em deleite diário.

segunda-feira, maio 09, 2005

Empada

É preciso que eu confesse: não resisto a uma empada. Farinha de trigo, óleo de soja, gema de ovo, sal, margarina e recheio. Minha decepção com Portugal foram as empadas que comi por lá.

Foi mais ou menos assim que iniciei a conversa com uma amiga, naquela tarde quente de quinta-feira, janeiro apenas começando, assim como o ano de 2002. Era um dia útil (sempre me pergunto: "útil pra quem?") e a praia não estava muito cheia. Eu estava ali por ainda não ter conseguido emprego após ter me mudado de volta ao Rio. E enquanto nossas sombras iam se acompridando sobre a areia da Prainha, contei a ela o sonho que tivera na noite anterior.

No sonho, eu me deliciava comendo empadas, mas minhas mãos estavam sujas de areia. E embora as empadas fossem ótimas, no limite de se esfarelarem, ao mordê-las mastigava junto os pequenos grânulos de sílica.

Sem pressa, embalados na calma das ondas que quebravam macias, tentávamos decifrar meu sonho, quando um vendedor se aproxima, mesclando-se às nossas sombras, e nos interrompe, vendendo: "empada?". Nos entreolhamos, entre curiosos e espantados, e pedimos duas, rindo.

Pois foi ali, naquele final de tarde, que eu comecei a acreditar que as coisas iriam melhorar. E dei a idéia de irmos passar o final de semana em Búzios. Minha amiga gostou da idéia, pegou o celular e em alguns minutos tínhamos a casa de um conhecido para alugar.

Liguei para outro grande amigo - que me acolheu quando eu não tinha pra onde ir - e convidei-o a passar alguns dias conosco, afinal, amigos também são para os momentos bons, raciocinei. Do outro lado da linha ele me diz que está conversando com um reitor e talvez tenha acabado de conseguir um emprego pra mim. Marcamos de nos encontrar e comemorar o começo dos novos bons tempos na Rua das Pedras.

Chegamos na casa quando já era noite. Ironicamente, ao lado dela havia uma pequena loja. Vendia apenas empadas. E foi um monte delas que devoramos no almoço do dia seguinte.